Foto: Paulinho Pinheiro/arquivo |
A comunidade católica de São João de Pirabas está nos
últimos preparativos para a celebração da maior festa religiosa do município. Apesar
de ter São João Batista como o padroeiro da cidade, é no círio de Nazaré que
acontece os maiores exemplos de fé e devoção do povo pirabense.
Fundado no ano de 1942, o círio de Nazaré em Pirabas é o
resultado de uma graça alcançada, requerida por algumas famílias da localidade,
lideradas pela senhora Percília Nogueira Batista, frente ao violento conflito
protagonizado por pescadores e colônia (de pescadores).
Segundo relato de moradores mais antigos, no início da
década de 1940, a colônia de pescadores, através do então presidente Siqueira
Campos, deflagrou abusiva cobrança de impostos sobre a produção de pescado, o que
inviabilizava a sobrevivência das comunidades pesqueiras. Com o alto índice de
inadimplência dos pescadores junto à colônia, Campos, que já era considerado
uma pessoa autoritária, passou a perseguir os devedores com o espólio dos
poucos bens que dispunham para garantir o sustento de suas famílias. Assim,
vários artefatos de pesca como canoas, tarrafas e espinhéis eram confiscados
para saldar as dívidas com a entidade, muitas vezes usando de truculência até
mesmo contra as mulheres e filhos menores dos pescadores. A situação agravou-se
ainda mais com a proibição, por parte da colônia, dos pescadores artesanais
exercerem suas atividades, ou seja, estavam proibidos de içarem suas velas ao
mar.
A reação foi imediata. Organizados em comboios de grandes
batelões, Lourenço da Fonseca, da vila do Inajá, liderou os “rebeldes” que
remaram até o local onde ainda hoje está situada a sede da colônia de
pescadores Z-08, tendo a adesão de pescadores de outras comunidades.
Ao avistar as canoas despontarem na lage, um dos
funcionários de campos chegou a dizer: -“dessa vez os cofres da colônia vão
abarrotar de dinheiro”, sem imaginar o clima de animosidade e o perigo que
estavam correndo. Mas que depressa, o oficial organizou o pequeno escritório
para recepcionar os inadimplentes, deixando em ordem todo o material de
expediente, supondo uma grande arrecadação.
Aportando na areia da praia e recompondo as forças à sombra
de uma frondosa mangueira, que até pouco tempo atrás fazia parte da nossa
paisagem, antes da construção do complexo Maria Pajé, os revoltosos aparentando
serenidade e aptidão ao diálogo foram recebidos pelo próprio Siqueira Campos, animado
pela grande expectativa de arrecadação que faria naquela manhã. Porém, os
inajauaras liderados por Lourenço não estavam nada dispostos à conversa ou
algum tipo de negociação, o que foi demonstrado logo nos primeiros segundos da
saudação entre os dois líderes. Ao cumprimentar o oficial, estendendo-lhe a mão
direita, favorecido pela boa estatura e força física, Lourenço surpreende
Campos ao acerta-lhe um violento soco com a mão esquerda à altura da orelha,
deixando-o desacordado. Daí em diante, a pancadaria segundo relata dona Edith
Pereira Lima, na época com 11 anos de idade, foi generalizada.
O que seria uma grande arrecadação para os cofres da
colônia, tornou-se o maior movimento de resistência contra as arbitrariedades
impostas ao povo pirabense que até hoje se tem notícia, lembrando-nos a
cabanagem, cem anos antes.
Para não perecer nas mãos dos revoltosos, Campos finge-se de
morto, resgatado por partidários, retorna à capital. Assume em seu lugar o
senhor Paulo Pinto, dando continuidade à política do antecessor, inclusive com
a prisão de alguns supostos participantes da revolta que ainda chegaram a ser
enviados a Belém.
Essa atitude inflamou ainda mais os ânimos dos rebeldes, e o
conflito com a colônia, já em meio à instabilidade da II guerra mundial,
parecia ganhar grandes proporções, situação que afligia as humildes famílias
que habitavam a então vila pertencente à Salinópolis. Diante dos rumores de se
intensificar o conflito, sem que as partes conseguissem selar um acordo, a
solução foi apelar para o campo espiritual. Quase no limite do desespero,
Percília Nogueira Batista decidiu fazer um voto, suplicando a Nossa Senhora de
Nazaré a intervenção divina na situação conflituosa que parecia longe do fim,
prometendo organizar a procissão de um círio em homenagem à rainha da Amazônia.
Milagrosamente a animosidade cessou. O ambiente tranquilo
que reinava absoluto na vila de pescadores voltou à normalidade, e assim, foi
confirmado o milagre da intervenção no conflito, fortalecendo ainda mais a fé
católica. Alcançada a graça, restava
pagar a promessa feita. Por não ser católica praticante, Percília pediu a ajuda
de dona Nazaré Nassar e Magna Natividade Ferreira, a quem coube a confecção do
andor da Santa, feito com papelão pregado com alfinetes.
Tomadas todas as providências necessárias ao grande círio, sob
o comando espiritual do padre Dubois, na manhã do dia 10 de outubro de 1942 foi
realizada a primeira procissão em louvor a Nossa senhora de Nazaré, que no
decorrer das primeiras décadas já se consolidava como um dos principais eventos
católicos da região, atraindo centenas de pessoas de municípios vizinhos.
São considerados os fundadores do Círio em Pirabas: Percília
Nogueira Batista, Nazaré Nassar, Magna Natividade Ferreira e Manoel Feliz
Batista.
A Berlinda
Assim como a corda, o bote de São João Batista e o carro dos anjos, a
berlinda talvez seja um dos símbolos que mais representa o círio de Nazaré em
Pirabas. Elemento responsável pela condução da santa imagem, por aqui, a
berlinda ganhou uma forma bem inusitada se comparada aos demais andores dos
círios pelo interior do estado. Na forma de uma embarcação, a berlinda causa
admiração em quem visita a cidade na quadra nazarena, e tornou-se uma atração a
parte na festa religiosa.
Mas, o que nem todo mundo sabe, é que a berlinda também tem sua história
particular.
Em 1944, foi encontrado pelas senhoras Maria Valéria de Souza, Maria
Maximiana Santa Brígida e Maria Regina, um flutuador de catalina semi-enterrado
nas areias da praia da Fortaleza. Imediatamente as senhoras informaram os
senhores Basilino dos Santos, Jubiano dos Santos, Agostinho Siríaco dos Santos,
Valdivino Gaudino de Souza, Manoel Goulart e João Santa Brígida, que se
responsabilizaram pela retirada do objeto e o transporte do mesmo até a
residência do senhor Agostinho, na localidade do Piquiá.
Ao tomar conhecimento do caso, Manoel Feliz Batista foi até a residência
do senhor Agostinho Siríaco com a intenção de comprar o flutuador, que por ter
a aparência de um barco, serviria de berlinda para a imagem de Nossa Senhora de
Nazaré na procissão do círio daquele ano. Diante da nobre proposta apresentada
por Batista, os envolvidos no achado simplesmente doaram o objeto.
De posse do flutuador, Manoel Feliz Batista foi detido por ordens de
Antônio Souza, presidente da colônia de pescadores, para onde a peça do avião
fora levada. Porém, um telegrama enviado por dona Percília à capitania dos
portos relatando o acontecimento, reverteu a situação. Assinado pelo comandante
Aton Barata, um telegrama destinado à colônia de pescadores de Pirabas dava a
seguinte ordem: “Deveis entregar para
dona Percília Nogueira Batista o flutuador, para os fins que se destina”.
Resolvido os impecílios, Manoel Feliz Batista foi até Belém comprar os
materiais necessários a montagem da berlinda, que foi construída por Manoel
Pedro e Jurandir Pereira Lima, tendo como pintor Domingos Barros, responsável
pela abertura das letras “N. S. de Nazaré”.
Pela combinação com o aspecto pesqueiro da cidade, a berlinda destaca-se
em meio à multidão. No alto, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, enquanto uma
criança trajando farda de marinheiro simula a condução da réplica de um navio,
construído a partir de restos da fuselagem de um avião de guerra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.