quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Revivendo a história

Fragmentos da história do Círio de Nazaré em Pirabas



Foto: Paulinho Pinheiro/arquivo
A comunidade católica de São João de Pirabas está nos últimos preparativos para a celebração da maior festa religiosa do município. Apesar de ter São João Batista como o padroeiro da cidade, é no círio de Nazaré que acontece os maiores exemplos de fé e devoção do povo pirabense.
Fundado no ano de 1942, o círio de Nazaré em Pirabas é o resultado de uma graça alcançada, requerida por algumas famílias da localidade, lideradas pela senhora Percília Nogueira Batista, frente ao violento conflito protagonizado por pescadores e colônia (de pescadores).
Segundo relato de moradores mais antigos, no início da década de 1940, a colônia de pescadores, através do então presidente Siqueira Campos, deflagrou abusiva cobrança de impostos sobre a produção de pescado, o que inviabilizava a sobrevivência das comunidades pesqueiras. Com o alto índice de inadimplência dos pescadores junto à colônia, Campos, que já era considerado uma pessoa autoritária, passou a perseguir os devedores com o espólio dos poucos bens que dispunham para garantir o sustento de suas famílias. Assim, vários artefatos de pesca como canoas, tarrafas e espinhéis eram confiscados para saldar as dívidas com a entidade, muitas vezes usando de truculência até mesmo contra as mulheres e filhos menores dos pescadores. A situação agravou-se ainda mais com a proibição, por parte da colônia, dos pescadores artesanais exercerem suas atividades, ou seja, estavam proibidos de içarem suas velas ao mar.
A reação foi imediata. Organizados em comboios de grandes batelões, Lourenço da Fonseca, da vila do Inajá, liderou os “rebeldes” que remaram até o local onde ainda hoje está situada a sede da colônia de pescadores Z-08, tendo a adesão de pescadores de outras comunidades.
Ao avistar as canoas despontarem na lage, um dos funcionários de campos chegou a dizer: -“dessa vez os cofres da colônia vão abarrotar de dinheiro”, sem imaginar o clima de animosidade e o perigo que estavam correndo. Mas que depressa, o oficial organizou o pequeno escritório para recepcionar os inadimplentes, deixando em ordem todo o material de expediente, supondo uma grande arrecadação.
Aportando na areia da praia e recompondo as forças à sombra de uma frondosa mangueira, que até pouco tempo atrás fazia parte da nossa paisagem, antes da construção do complexo Maria Pajé, os revoltosos aparentando serenidade e aptidão ao diálogo foram recebidos pelo próprio Siqueira Campos, animado pela grande expectativa de arrecadação que faria naquela manhã. Porém, os inajauaras liderados por Lourenço não estavam nada dispostos à conversa ou algum tipo de negociação, o que foi demonstrado logo nos primeiros segundos da saudação entre os dois líderes. Ao cumprimentar o oficial, estendendo-lhe a mão direita, favorecido pela boa estatura e força física, Lourenço surpreende Campos ao acerta-lhe um violento soco com a mão esquerda à altura da orelha, deixando-o desacordado. Daí em diante, a pancadaria segundo relata dona Edith Pereira Lima, na época com 11 anos de idade, foi generalizada.
O que seria uma grande arrecadação para os cofres da colônia, tornou-se o maior movimento de resistência contra as arbitrariedades impostas ao povo pirabense que até hoje se tem notícia, lembrando-nos a cabanagem, cem anos antes.
Para não perecer nas mãos dos revoltosos, Campos finge-se de morto, resgatado por partidários, retorna à capital. Assume em seu lugar o senhor Paulo Pinto, dando continuidade à política do antecessor, inclusive com a prisão de alguns supostos participantes da revolta que ainda chegaram a ser enviados a Belém.
Essa atitude inflamou ainda mais os ânimos dos rebeldes, e o conflito com a colônia, já em meio à instabilidade da II guerra mundial, parecia ganhar grandes proporções, situação que afligia as humildes famílias que habitavam a então vila pertencente à Salinópolis. Diante dos rumores de se intensificar o conflito, sem que as partes conseguissem selar um acordo, a solução foi apelar para o campo espiritual. Quase no limite do desespero, Percília Nogueira Batista decidiu fazer um voto, suplicando a Nossa Senhora de Nazaré a intervenção divina na situação conflituosa que parecia longe do fim, prometendo organizar a procissão de um círio em homenagem à rainha da Amazônia.
Milagrosamente a animosidade cessou. O ambiente tranquilo que reinava absoluto na vila de pescadores voltou à normalidade, e assim, foi confirmado o milagre da intervenção no conflito, fortalecendo ainda mais a fé católica.  Alcançada a graça, restava pagar a promessa feita. Por não ser católica praticante, Percília pediu a ajuda de dona Nazaré Nassar e Magna Natividade Ferreira, a quem coube a confecção do andor da Santa, feito com papelão pregado com alfinetes.
Tomadas todas as providências necessárias ao grande círio, sob o comando espiritual do padre Dubois, na manhã do dia 10 de outubro de 1942 foi realizada a primeira procissão em louvor a Nossa senhora de Nazaré, que no decorrer das primeiras décadas já se consolidava como um dos principais eventos católicos da região, atraindo centenas de pessoas de municípios vizinhos.
São considerados os fundadores do Círio em Pirabas: Percília Nogueira Batista, Nazaré Nassar, Magna Natividade Ferreira e Manoel Feliz Batista.

A Berlinda


Foto: Paulinho Pinheiro/Arquivo
Assim como a corda, o bote de São João Batista e o carro dos anjos, a berlinda talvez seja um dos símbolos que mais representa o círio de Nazaré em Pirabas. Elemento responsável pela condução da santa imagem, por aqui, a berlinda ganhou uma forma bem inusitada se comparada aos demais andores dos círios pelo interior do estado. Na forma de uma embarcação, a berlinda causa admiração em quem visita a cidade na quadra nazarena, e tornou-se uma atração a parte na festa religiosa.
Mas, o que nem todo mundo sabe, é que a berlinda também tem sua história particular.
Em 1944, foi encontrado pelas senhoras Maria Valéria de Souza, Maria Maximiana Santa Brígida e Maria Regina, um flutuador de catalina semi-enterrado nas areias da praia da Fortaleza. Imediatamente as senhoras informaram os senhores Basilino dos Santos, Jubiano dos Santos, Agostinho Siríaco dos Santos, Valdivino Gaudino de Souza, Manoel Goulart e João Santa Brígida, que se responsabilizaram pela retirada do objeto e o transporte do mesmo até a residência do senhor Agostinho, na localidade do Piquiá.
Ao tomar conhecimento do caso, Manoel Feliz Batista foi até a residência do senhor Agostinho Siríaco com a intenção de comprar o flutuador, que por ter a aparência de um barco, serviria de berlinda para a imagem de Nossa Senhora de Nazaré na procissão do círio daquele ano. Diante da nobre proposta apresentada por Batista, os envolvidos no achado simplesmente doaram o objeto.
De posse do flutuador, Manoel Feliz Batista foi detido por ordens de Antônio Souza, presidente da colônia de pescadores, para onde a peça do avião fora levada. Porém, um telegrama enviado por dona Percília à capitania dos portos relatando o acontecimento, reverteu a situação. Assinado pelo comandante Aton Barata, um telegrama destinado à colônia de pescadores de Pirabas dava a seguinte ordem: “Deveis entregar para dona Percília Nogueira Batista o flutuador, para os fins que se destina”.
Resolvido os impecílios, Manoel Feliz Batista foi até Belém comprar os materiais necessários a montagem da berlinda, que foi construída por Manoel Pedro e Jurandir Pereira Lima, tendo como pintor Domingos Barros, responsável pela abertura das letras “N. S. de Nazaré”. 
Pela combinação com o aspecto pesqueiro da cidade, a berlinda destaca-se em meio à multidão. No alto, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, enquanto uma criança trajando farda de marinheiro simula a condução da réplica de um navio, construído a partir de restos da fuselagem de um avião de guerra.
  




  

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.